Lisboa na primavera de 1944 era um palco onde a neutralidade oficial escondia um turbilhão de segredos, encontros clandestinos e jogos de inteligência que podiam mudar o rumo da guerra. As ruas da Baixa fervilhavam com diplomatas, espiões, refugiados e agentes de várias nacionalidades, todos movimentando-se em silêncio numa cidade que, embora distante do conflito direto, se tornou um dos centros neurálgicos do maior conflito do século XX.
No meio desse cenário, um homem magro, de bigode fino, parecia mover as peças com uma calma desconcertante. Chamava-se Juan Pujol García. Para os alemães ele era o agente Arabel, para os britânicos o lendário Garbo. Este espião duplo não comandava exércitos nem liderava batalhas, mas criou uma rede fictícia de agentes que alimentava o comando nazi com informações cuidadosamente fabricadas.
Garbo sabia que a desinformação era uma arma poderosa e usava-a com mestria. Inventava agentes com histórias verossímeis, profissionais, localizações estratégicas e até pequenos detalhes pessoais que tornavam os seus relatórios praticamente impossíveis de contestar. As mensagens partiam muitas vezes de Lisboa, através de transmissões codificadas por rádio, e misturavam factos verdadeiros com dados falsos, enganando os alemães a cada passo.
Nas semanas que antecederam o Dia D, Garbo enviou uma mensagem fundamental. Nela afirmava que tinha chegado atrasado para avisar sobre o verdadeiro ataque aliado, mas que o que os alemães estavam a ver em Normandia não passava de uma distração. O desembarque real, dizia com firmeza, seria muito mais ao norte, em Pas-de-Calais. Essa informação chegou a Berlim e foi aceite como verdadeira, levando o alto comando alemão a manter as suas divisões Panzer longe das praias onde, de facto, os Aliados se preparavam para atacar.
Na madrugada do 6 de junho, as forças aliadas invadiram as praias de Omaha, Utah, Gold, Juno e Sword, enfrentando feroz resistência, mas beneficiando do erro de cálculo do inimigo, induzido por Lisboa e o espião que sabia como jogar o jogo da mentira.
Enquanto isso, na capital portuguesa, a identidade de Garbo era um mistério para a maioria. Uns diziam que ele era apenas um espanhol comum, vivendo discretamente entre traduções e contactos em cafés. Outros suspeitavam que por trás daquele homem simples se escondia algo muito maior. Só após o fim da guerra é que a verdadeira dimensão da sua missão foi revelada e com ela o papel crucial que Lisboa desempenhou.
Esta história mostra que, apesar de Portugal se manter oficialmente neutro durante a Segunda Guerra Mundial, a sua capital foi um dos centros estratégicos da espionagem mundial. Lisboa acolheu encontros secretos, serviu de base para transmissões cifradas e tornou-se palco de manobras que influenciaram diretamente os destinos dos exércitos em combate.
O Dia D foi uma das maiores operações militares da história, mas poucos sabem que uma parte fundamental do sucesso dos Aliados teve origem nas ondas de rádio que saíam discretamente de Lisboa. A cidade, muitas vezes vista apenas como um ponto de passagem, mostrou que podia ser muito mais: um lugar onde a inteligência e a astúcia venceram, mesmo quando os canhões ainda não tinham disparado.
Esta é a memória de um momento em que o silêncio da capital portuguesa contribuiu para enganar Hitler e, de certa forma, ajudar a salvar o mundo.

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