Ana Trincão, Andresa Soares, Elizabete Francisca, Joana Levi, Julia Salem e Tiago Gandra revelam um corpo de trabalho assente em seis criações artísticas, entre performances, exposições e publicações, que compreendem vários modos de fabulação sobre ancestralidade, mitologias, sistemas de trabalho, ecossistemas e práticas de errância.
O que pisamos para viver como vivemos? O que se está a extinguir sob as pegadas humanas? Como é que os corpos humanos e não-humanos se sustentam, habitam e ocupam espaços? Que histórias percorrem os corpos e que corpos percorrem a história? Onde nos situamos no contexto da história colonial? Em que medida podemos fabular/dançar histórias heterotópicas, a partir de rastros singulares que cruzam as narrativas e políticas “oficiais” impressas no território português?
São estas as questões e as linhas orientadoras exploradas em “O Que Pisamos”, o novo e múltiplo projecto de pesquisa e criação em rede da associação cultural Apneia Colectiva, que, de 27 a 29 de Junho, na Penha Sco e na Procur.arte, em Lisboa, reúne artistas e pesquisadores de várias áreas do conhecimento.
Ana Trincão, Andresa Soares, Elizabete Francisca, Joana Levi, Julia Salem e Tiago Gandra propõem-se, neste âmbito, a estender o seu arco ligado às artes performativas e relacioná-lo com as artes visuais, a escrita, a activação de exercícios performativos com a comunidade ou a investigação de práticas ritualísticas, terapêuticas, esotéricas e filosóficas/sociológicas.
Durante três dias, as artistas partilham com o público as seis propostas resultantes de um extenso trabalho que investiga, através de casos específicos do contexto histórico-cultural e geopolítico português, vários modos de relação humana para com os territórios em que habita – uma cidade, um vilarejo, uma floresta, uma paisagem ou o próprio corpo -, e que tem por base arqueologias ancestrais, fabulações histórico-animistas, geopolíticas, mitologias e fantasmagorias.
A performance “Primárias & Exóticas”, de Joana Levi, fabula sobre a história das florestas em Portugal, como uma história a contrapelo da ocupação humana deste território. Por fabular, entende-se aqui entrar, cavar, subir no mato das palavras, emaranhando sentidos e visões, tecendo perspectivas e conversas entre línguas e mudas. “Primárias & Exóticas”, como uma performance-livro, desdobra-se em capítulos. Ao Cap.I, “Companhia das Plantas”, que se avizinha das espécies que habitam os “jardins coloniais” do Palácio Pancas Palha, apresentado no Festival Interferências 2023, soma-se o Cap.II, “Das pequenas alegrias”, uma conversa húmida com a Mata da Margaraça. Já “Os meus totens”, de Elizabete Francisca, recupera através da fotografia elementos de princípios e práticas pagãs e neopagãs, para criar uma cosmogonia pessoal, ao longo da sua própria subjectividade e olhar feminino. Evoca ancestralidade, magia e vivências espirituais, numa espécie de tentativa de lançar um feitiço de retorno a si mesma: olhando para dentro, aliando-se a elementos da natureza e retomando contacto com modos de existência que não esqueceram nem deixaram de sentir. Um abeirar-se do mistério, da chama, da margem. Contemplando o corpo como um documento que carrega uma história, “Desmonte”, de Tiago Gandra, é um projecto de desconstrução histórica, geológica, esotérica e comunitária a partir da Conheira, uma antiga aldeia abandonada, junto ao leito do rio Zêzere, no concelho de Abrantes, que propõe revisitar esse lugar esquecido como uma experiência de imersão.
Também no campo da performance, Andresa Soares, em “Pisoteio”, baseia-se em realidades aparentemente diferentes, mas talvez não tão opostas quanto parecem, a do trabalho no campo e na cidade, que permitem coreografias vivenciais mergulhadas na impossibilidade de contracultura e na anulação da criatividade e do desejo de futuro, ao mesmo tempo que se desenvolvem enquadramentos para fabulações, mitologias e narrativas de consolo perante o controlo dos corpos e do tempo. A criação de Julia Salem, “Reinscrever-se pelo chão”, atravessa áreas distintas, como a geografia, antropossociologia, história e coreografia, que motivam dois objectos artísticos: uma publicação de textos escritos em processos de caminhadas, trajectos e rotas, e uma série de programas performativos destinados ao espaço público e ao universo digital. Por fim, com a instalação “Mulheres Mondon”, Ana Trincão expõe um reencontro com a memória e um confronto com a desmemória, vivido a partir do seu arquivo constituído por fotografias, vídeos e áudios recolhidos nos ensaios do grupo Batucadeiras Mondon, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Um contexto onde a arte, o ritual, a cura e o encontro coexistem de maneira intrínseca e interdependente.
Todas estas criações, nas suas diversas expressões artísticas, são agora conhecidas em “O Que Pisamos”, o mais recente projecto da Apneia Colectiva que, entre os dias 27 e 29 de Junho (quinta e sexta-feira, às 19h00; sábado, às 16h00), ocupa a Penha Sco e a Procur.arte, em Lisboa.
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