Uma mulher afegã usou um fato-armadura para protestar contra o assédio sexual e está agora escondida, depois de ter recebido ameaças de morte. Durante o protesto, quase foi linchada por uma multidão de homens em fúria.
A artista Kubra Khademi, uma afegã de 27 anos, escolheu uma forma insólita e bem vincada para protestar contra o assédio sexual que é um dos vários problemas graves que as mulheres enfrentam no Afeganistão. Ela vestiu uma armadura, que lhe tapava os seios e o rabo, e caminhou por uma das ruas mais movimentadas de Cabul, a capital do país.
A ideia era fazer um passeio de 10 minutos, mas, ao cabo de 8, ela teve que fugir, face ao tumulto gerado. Empurrões, murros e pedras, além de muitos insultos, foi o que recebeu dos homens enfurecidos.
Depois da sua caminhada de protesto, vários homens apareceram à porta de sua casa e ela teve que esconder-se em casa de amigos, por não se sentir segura.
Um episódio que ocorreu no passado dia 26 de Fevereiro, mas que só agora é divulgado por vários meios de informação internacionais.
Kubra Khademi conta ao jornal inglês The Independent que foi assediada, pela primeira vez, quando tinha apenas 4 anos de idade, quando um estranho lhe tocou no rabo na rua. E que, quando protestou e pediu ajuda, os olhares de reprovação não foram para o assediador, mas para ela.
A Al Jazeera noticia que ela tem recebido ameaças de morte e que continua escondida.
Escondida, mas não calada. E, assim, Kubra Khademi aproveita o poder da Internet para relatar o seu caso, através do site France 24. Ora leia o seu testemunho…
“Desde que sou uma pequena rapariga, tive que aturar homens a tocarem-me e a insultarem-me nas ruas de Cabul. E, claro, à medida que cresci, ficou pior. Isto acontece com todas as mulheres aqui.
Disse a mim mesma que devia reagir, ripostar e responder ao seu assédio verbal. Mas, quantas vezes por dia podia eu lutar esta exaustiva luta? A realidade foi mais poderosa do que eu. Por isso, decidi montar uma performance de rua para mostrar aos homens que o seu comportamento é indecente, e para mostrar à sociedade o que as mulheres têm que enfrentar todos os dias.
[…] Antes de ter começado, rezei para que não fosse perseguida e morta por uma multidão hostil. Infelizmente, os meus receios eram bem fundados – após alguns minutos em que os homens pareciam apenas espantados, começaram a seguir-me e a insultar-me. Alguns até começaram a atirar pedras.
As únicas pessoas que tentaram defender-me foram alguns amigos e jornalistas que tinham ido ver a minha performance. Os homens começaram a esmurrar-nos, a pontapear-nos. Algumas das minhas amigas mulheres disseram-me que foram molestadas sexualmente por homens na multidão.
Tinha planeado passear por 10 minutos, mas, após apenas 8 minutos, tive que fugir para um táxi. Os homens jovens continuaram a esmurrar o carro; o condutor teve que acelerar.
Uma táctica comum para os homens é beliscar as mulheres nas ruas. Eles beliscam-nos tão agressivamente que deixa marcas. Estes homens são de todas as classes sociais: há iletrados, estudantes, homens ricos, homens pobres.
Penso que o reinado dos Taliban e os 13 anos de guerra que se lhe seguiram, destruíram os nossos valores e a nossa cultura. O crescimento do extremismo e da violência criou muita frustração, o que gera este tipo de comportamento desviante.
Vivemos numa sociedade patriarcal, onde as mulheres são vistas como cidadãos de segunda classe. Quando nos queixamos de assédio sexual, os homens dizem, muitas vezes, que se uma mulher usar um véu adequado, ninguém a incomodará. Mas isto é obviamente falso, já que até mulheres que usam burca são assediadas nas ruas.
O governo não está a fazer nada para parar isto e não há ajuda disponível para as vítimas. Nem sequer temos uma linha para onde ligar. As famílias também carregam a sua parte de responsabilidades. Uma mulher que é vítima deste tipo de abuso não se atreve a falar dele com o seu pai ou a sua mãe, por medo de os desgraçar.
As mulheres têm que deitar abaixo esta parede de silêncio. Temos que falar deste problema tanto quanto possível e pôr pressão nas autoridades para fazerem algo. Se eu não falar agora, um dia, a minha filha sentirá este tipo de assédio e a sua filha depois dela também. A minha geração tem que quebrar este ciclo vicioso.
Depois da minha performance, homens zangados apareceram à minha porta. Felizmente, não estava em casa. Já não me sinto segura. Estou agora escondida em casas de amigos nos subúrbios de Cabul.”
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