A delegação brasileira sobre violência doméstica cumpre seu objetivo na Europa ao visitar instituições estatais e não estatais de violência doméstica em Portugal. Durante 14 dias, a comitiva composta por autoridades do Governo Federal brasileiro e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM) também visitou Roma (Itália) e Vilnius (Lituânia). O intuito foi trocar experiências e divulgar boas práticas sobre o enfrentamento à violência doméstica e crimes de género entre o Brasil e a Europa.
Essa missão faz parte do projeto aprovado no âmbito da Iniciativa de Apoio aos Diálogos Setoriais (União Europeia (UE) – Brasil), dentro do diálogo de “Direitos Humanos”, decorrente do diálogo político de alto nível. Segundo o conselheiro do CNMP e coordenador da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (ENASP), Valter Shuenquener, o objetivo da missão foi conhecer o que está sendo feito em relação à violência de género nos países europeus. “Ela ocorreu de uma necessidade de enfrentamento à violência doméstica no Brasil. O país atualmente não está em uma posição muito confortável em relação ao tema e precisávamos criar métodos ou soluções para melhorar a situação. Por isso, estabelecemos a parceria com a União Europeia e os Diálogos Setoriais”, explicou.
De acordo com Shuenquener, essa parceria com os Diálogos Setoriais e com a Delegação da UE no Brasil é muito importante. “O embaixador da União Europeia no Brasil, João Cravinho, tem defendido bastante a causa da mulher no nosso país e no cenário internacional. O Ministério Público também tem participado. É um projeto multilateral. Os Diálogos têm como objetivo central estabelecer um canal de comunicação, troca de informações, entre Brasil e países da UE”, disse.
Shuenquener revelou ainda que a escolha dos países – Lituânia, Itália e Portugal –, foi em razão de algumas peculiaridades. A Lituânia, por exemplo, tem o Instituto Europeu de Igualdade de Gênero (Eige). Sediado em Vilnius, Eige é uma agência da UE que atua dentro e fora da Europa e apoia estudos de investigação, como coleta de dados e boas práticas. Sobre Lisboa, Shuenquener sinalizou que “no projeto temos o perito Manuel Lisboa que é professor da Universidade de Lisboa e também coordenador do observatório de género. Além disso, Portugal também tem a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV)”.
Em Lisboa, a equipe, composta por promotores que atuam diretamente com o tema, apresentou a realidade brasileira e ouviu as boas práticas portuguesas. No último dia 22, a delegação visitou as instalações da APAV e encontrou-se com o presidente da associação João Lázaro. Na ocasião, foram discutidas as formas de atuação do Terceiro Setor junto com o Poder Público no enfrentamento à violência de género. A entidade promove medidas de acolhimento multidisciplinar, fornecendo estruturas administrativas, como abrigos de acolhimento às vítimas de violência doméstica. Frederico Moyano Marques, Secretário-Geral da APAV, falou sobre a importância dos serviços oferecidos porque acolhem, oferecem assistência jurídica e psicológica, além de disponibilizarem um call center às vítimas de violência doméstica.
A presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género do Conselho de Ministros de Portugal, Teresa Fragoso, recebeu a equipe brasileira e falou sobre a atuação da comissão na área internacional de violência doméstica e do governo português no plano internacional. Portugal foi o primeiro Estado-membro da UE a ratificar a Convenção de Istambul, que consiste em um conjunto de normas sobre prevenção e combate à violência doméstica na Europa. Além disso, Teresa apresentou as estatísticas nacionais sobre o assunto e as publicações científicas elaboradas pela comissão com base nos dados obtidos e explicou a inclusão do enfrentamento a essa violência no plano de atuação anual do Governo português.
Outro encontro importante, ocorreu no dia 25. A delegação brasileira foi ao Observatório Nacional de Violência e Género (ONVG) para conhecer os projetos, estudos e metodologia de pesquisa empregada no tema de violência doméstica e questões de género. O Observatório integra o Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS. NOVA), sediado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Faculdade Nova de Lisboa. Trata-se do primeiro observatório nacional sobre violência de género, fundado em 2008, e conta com uma estrutura independente, conforme sugerido pelo Conselho da Europa.
Durante o período, os integrantes da missão brasileira explicaram aos portugueses os dois projetos desenvolvidos pelo CNMP. O primeiro trata da redução dos inquéritos de feminicídio que, de acordo com Shuenquener, no prazo de um ano, baixaram em mais de 50%. O segundo foi o Cadastro Nacional de Violência Doméstica (CNVD), que é alimentado por todos os promotores de justiça brasileiro que atuam nessa matéria. É uma ferramenta que mostra a realidade do Brasil sobre a violência para ajudar os órgãos de investigação e de políticas públicas que tratam do assunto.
“Sem dados estatísticos não temos como avançar nas políticas públicas e nas matérias de investigação. Esse projeto está no guarda-chuva dos Diálogos Setoriais e é uma experiência bem-sucedida no Brasil e, por isso, estamos divulgando-o aqui, para que as instituições europeias tenham conhecimento. E muitas delas acharam o cadastro importantíssimo até para a realidade europeia. O que se tem na Europa é apenas uma pesquisa sobre violência de género. Portugal tem pesquisas episódicas sem um controle permanente do que acontece em matéria de violência doméstica” esclareceu Shuenquener.
A delegação brasileira também se reuniu com a deputada, que atua na garantia dos direitos das mulheres, Elza Pais, para trocar experiências sobre o a questão da violência doméstica. Além disso, visitou o Espaço Maria (Esquadra de Oeiras da Polícia de Segurança Pública), local em que as vítimas têm privacidade, conforto e segurança.
Em Portugal, também estavam presentes o Procurador Regional da República e membro auxiliar da ENASP, Maurício Andreiuolo, o Promotor de Justiça do Estado de Rondônia e membro colaborador da ENASP; Heverton Aguiar, as Promotoras de Justiça Lúcia Iloizio Barros Bastos (MP/RJ), Flavia Unneberg (MP/CE), Luciana do Amaral Rabelo (MP/MS) e Valéria Scarance (MP/SP), além do servidor público federal do CNMP e assessor na ENASP, Wilfredo Pacheco. Participou, também, a diplomata do Ministério das Relações Exteriores do Brasil Paula Gomes.
Para Shuenquener, a experiência foi muito rica. “Visitamos diferentes instituições em cada país. O que esperamos com a missão é implementar boas práticas que vimos nesses países. Muito do que aprendemos pode ser empregado no Brasil”, declarou ao garantir que as reuniões não vão ficar no plano abstrato: “elas têm um objetivo concreto”.
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